A ditadura continua para os índios, segundo disseram os convidados da audiência pública sobre a agressão aos direitos dos povos indígenas no período do governo militar no Brasil. Promovida nesta quinta-feira (20), pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), em razão do Dia do Índio, celebrado em 19 de abril, a audiência mostrou dados sobre essa agressão contidos no livro “Os fuzis e as flechas – História de sangue e resistência indígena na ditadura”.

O senador João Capiberibe (PSB-AP), que requereu a audiência pública, afirmou que o trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que investigou os crimes da ditadura, foi superficial em relação aos povos indígenas. Para o senador, o Brasil ainda precisa consolidar o respeito aos direitos desses povos.

— Eu acho que o Brasil, para atingir um estado civilizatório que nos coloque num patamar de respeito no cenário global, precisa reconhecer a existência de todos aqueles que vivem no nosso país e respeitar os direitos dessa enorme diversidade cultural e social que tem o nosso país, entre eles, os povos indígenas — disse o senador.

A senadora Regina Sousa (PT-PI), presidente da CDH, afirmou que, embora as audiências públicas sejam importantes, é preciso fazer encaminhamentos mais práticos ao final delas. Regina propôs pedir ao ministro da Justiça para desfazer o contingenciamento do orçamento da Funai.

De acordo com o secretario adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Vieira dos Santos, quando foi criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) cedeu para vários fazendeiros do agronegócio títulos da não existência dos povos indígenas que antes habitavam as regiões no Mato Grosso e do Pará.

— A maioria desses povos sofreu duramente ataques, genocídio e expulsão de seus territórios no processo de abertura, inclusive, com base num instrumento do estado, que é a certidão negativa que o SPI expedia naquele momento — relatou Gilberto.

Emocionado, o cacique da etnia Xetá, no Paraná, Claudemir da Silva, contou que, na década de 1940, por causa da expansão do café, a etnia Xetá foi dizimada e de 2.800 índios, apenas 10 sobreviveram. Ele afirmou que ainda hoje seu povo luta para adquirir um pequeno pedaço de terra e que são contestados em seu direito com a afirmação de que sua etnia não existe mais.

— Falam que acabou a ditadura, para mim, não acabou. Porque a gente vem aqui reivindicar o pouquinho de direito que nós temos e muitas das vezes a gente é recebido à paulada e à bala de borracha dentro desta cidade chamada Brasília — disse.

O procurador da República Gustavo Kenner Alcântara afirmou que há um grupo de trabalho no Ministério Público Federal instituído para identificar as violações ocorridas com os povos indígenas na ditadura. Ele criticou uma nota do Ministério da Justiça, publicada nesta quarta-feira (19), dizendo que não demarcará mais terras indígenas porque já são 13% de terras demarcadas para 0,4% da população brasileira.

— Esquece, Ministério da Justiça, que você deve cumprir a Constituição da República e não analisar quando ela é interessante, se chegou a um volume de terra significativo. E esquece mais ainda que os latifúndios no Brasil representam o dobro dessa quantidade de terras — afirmou.

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antonio Fernandes Costa, lamentou o contingenciamento da Funai e disse que, enquanto os recursos estão diminuindo, a população indígena cresce de forma acentuada.

— As 12 frentes de índios isolados me preocupam, pois temos que dar proteção. Tivemos que fazer uma força-tarefa para, pelo menos, as frentes de proteção étnico-ambiental não deixarem de funcionar — afirmou.

Antonio também cobrou a aprovação do Estatuto do Índio, parado há 26 anos na Câmara dos Deputados.

A representante da instituição Povos Indígenas do Brasil (PIB), Sônia Guajajara, disse que a ditadura ainda se faz presente quando o governo valoriza os interesses do agronegócio em detrimento dos interesses dos povos indígenas.

— Não podemos mais ser pauta secundária — disse.

O autor do livro em debate, o jornalista Rubens Valente, disse que convive com índios desde os 12 anos, quando se mudou para o Mato Grosso do Sul e, como jornalista, aos 19 anos, em 1989, começaram a surgir várias histórias sobre a ditadura e ele foi colecionando as informações para escrever sobre o assunto.

Segundo Rubens, a estimativa mais baixa é de houve 1.278 mortes de indígenas durante esse período, mas pode ter havido mais de 8 mil. Ele deu várias informações sobre índios isolados, que, quando o Exército resolveu transferi-los, acabaram morrendo por doenças ou condições de precariedade.

— Elas (as histórias das transferências) se repetem ao longo do período, como se os índios fossem objetos, como se a terra do índio pudesse ser transportada, substituída, ao bel prazer do regime — lamentou.

Rubens disse ainda que o Estado brasileiro deveria pedir desculpas aos povos indígenas, algo que até hoje se recusa a fazer. O jornalista também criticou a tese do marco temporal, segundo a qual a Justiça apenas considera direito dos índios as terras habitadas por eles a partir de 5 de outubro de 1988.

Fonte: Senado Federal