A Campanha Feminicídio Zero objetiva uma mobilização nacional para mudar comportamentos e valores e assim combater o crescente índice de violência contra a mulher, como explicou a ministra do Ministério das Mulheres, Cida Gonçalves, nesta quinta-feira (31), na Comissão de Direitos Humanos (CDH). O lançamento da campanha, na forma de uma audiência pública, foi conduzido pelo presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS). A ministra explicou que a iniciativa busca mobilizar times de futebol, ligas de carnaval, igrejas, empresas e órgãos governamentais para tirar o Brasil do ranking de países que mais matam mulheres no mundo.
Atualmente, o Brasil ocupa a quinta posição nesse ranking dos feminicídios mundiais. Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.467 mulheres morreram vítimas de violência em 2023 — o maior registro desde a sanção da lei que tipificou o crime de feminicídio, em 2015. As agressões decorrentes de violência doméstica aumentaram 9,8%, totalizando 258.941 casos.
Na avaliação de Cida Gonçalves, a raiz do alto índice de violência contra as mulheres no país e, consequentemente, do elevado número de feminicídios se deve à razões culturais. O ódio às mulheres e a misoginia, para ela, são a origem do problema e, por isso, a campanha tem o foco de conversar com a sociedade, chegar em lugares onde nunca se chegou, para poder mudar comportamentos e valores, trabalhando ações preventivas.
— Não pode ser um problema partidário, não pode ser só um problema do Ministério das Mulheres, tem que ser um problema de todas as pessoas, de todos os partidos, de todas as tendências, de todos os órgãos do governo brasileiro. Porque se não nós não vamos diminuir isso, vamos continuar com a tendência crescente [de feminicídios].
A ministra relatou o seu inconformismo com relação, particularmente, a dois casos: novas ameaças feitas à Maria Da Penha, especialmente pelas redes sociais, após alguns meios de comunicação “darem voz” à versão do agressor dela; e uma situação em que vizinhos de uma vítima de feminicídio em Brasília, morta às 8h, terem ouvido desentendimentos desde às 2h do dia anterior e nada foi denunciado para se evitar o crime. Para ela, há uma grande falha nesses casos: a sociedade desacredita nas políticas públicas e nas instituições públicas.
— Se qualquer vizinho tivesse ligado no 190 essa mulher poderia estar viva [aqui em Brasília]. Foi isso que me fez pensar que nós precisamos fazer essa mobilização. Nós precisamos dizer para as pessoas que elas precisam acreditar em nós, nós precisamos dizer que as instituições, o governo federal, o Ministério das Mulheres, o Senado, a Câmara, o Judiciário, têm responsabilidade e vão ter que dar conta para salvar a vida dessas mulheres. Todos esses órgãos precisam estar juntos. Porque se [a sociedade] não entender isso, [as pessoas] não vão ligar.
Por essa razão, segundo a ministra, a campanha buscou incorporar múltiplos setores, incluindo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, empresas públicas e privadas, meios de comunicação, instituições esportivas, culturais e religiosas e demais organizações da sociedade civil, movimentos sociais e figuras públicas relevantes.
O senador Paim parabenizou a ministra pela iniciativa e concordou com a necessidade de se envolver todos os órgãos governamentais e todos os poderes da República, em todas as esferas. Para ele, o Legislativo pode contribuir de forma efetiva e citou, como exemplo, a aprovação da recente Lei 14.994, de 2024, originada do Projeto de Lei (PL) 4.266/2023 da senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), que pune o feminicídio com até 40 anos de prisão.
No entanto, diante do aumento desse tipo de crime no país, Paim avaliou ser importante agir rápido para prevenir o ato de violência extrema.
— A violência no Brasil segue, infelizmente, com números alarmantes, com recordes. Em 2023, o número de casos disparou para quase 260 mil [violência contra a mulher]. Aumento de 9,8% em relação a 2022, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. As ameaças contra as mulheres também cresceram 16,5%, somando 779 mil casos (…) Ainda segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada seis horas uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. 63% das vítimas são negras. Por isso reafirmamos aqui o compromisso dessa comissão com a campanha liderada por vossa excelência, ministra, “Feminicídio Zero” e Brasil sem misoginia.
Crime evitável
A ministra alertou que o feminicídio é um crime totalmente evitável, sendo a última fase dos vários tipos de violência que vitimizam a mulher. Por isso, segundo ela, quando o Ministério das Mulheres foca em zerar o número de feminicídios no país, ele se compromete em trabalhar todas as frentes de enfrentamento dessa violência, buscando a conscientização para gerar uma mudança na sociedade que começa a partir do indivíduo para, em seguida, gerar consequências no coletivo.
No Brasil, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada seis minutos uma menina ou uma mulher é vítima de abuso sexual. Enquanto que três em cada dez mulheres brasileiras já foram vítimas de violência doméstica. E a cada 24 horas, 75 casos de importunação sexual são denunciados.
Em relação ao feminicídio, a ministra apontou que se trata de um crime que acontece no meio das relações afetivas das mulheres e, por esta razão, é preciso abolir qualquer tipo de violência que dá início ao [futuro] cometimento da morte. No Brasil, 73% dos casos de feminicídio foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros íntimos; 10% das vítimas foram assassinadas por familiares; 8,3% dos autores são desconhecidos; e 8% dos casos foram perpetrados por outros conhecidos que não familiares.
— O feminicídio zero é um processo em que nenhum tipo de violência vai ser aceitado. Para a mulher não morrer, ela não pode ser humilhada, sofrer violência psicológica, violência moral, violência física. Porque o feminicídio é o último estágio da violência contra a mulher. Ela já passou por muitos outros — ressaltou.
Futebol e Carnaval
A campanha, segundo a ministra, tem duas frentes de atuação prioritárias, que visam o engajamento e a conscientização a partir das grandes paixões do brasileiro: o futebol e o carnaval.
O objetivo, de acordo com a ministra, é fazer com que a mensagem chegue “aonde nunca chegou” e possa provocar ações capazes de mudar comportamentos e valores, ou seja, a cultura misógina e de vitimização da mulher.
Conforme dados do ministério, nos dias de jogos, a ameaça contra as mulheres cresce 23% e os registros de Boletim de Ocorrência aumentam 20,8%, enquanto que o registro de lesões corporais na cidade a qual sedia os jogos sobem 25,9% [em relação à média]. Entre os clubes que já aderiram à campanha estão: Fortaleza, Corinthians, Bahia, Botafogo, Vasco, Flamengo, Paysandu, Remo e Cruzeiro.
— Então chegar no estádio de futebol, falar com os times de futebol, falar com as torcidas, ela é estratégica para que a gente possa, efetivamente, estar pensando numa nova forma de intervenção em relação ao feminicídio (…). Quando o time adere, ele assina uma carta compromisso, mas é muito mais do que isso, é a gente trabalhar com a base do time para que nós não tenhamos novos [casos como o de] Daniel Alves, novos Bruno, novos jogadores que cometam crimes contra as mulheres e que o time possa pensar [em] ações de intervenção contra a violência.
Com relação a outra paixão nacional, o carnaval, a parceria do ministério foi feita com a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA) para que a campanha e a provocação dos debates comecem a ser realizadas antes mesmo do evento em 2025, a partir dos ensaios nas quadras e nas comunidades. A partir daí, novas ações serão desenvolvidas junto às escolas, até o sábado do desfile das campeãs, que será 8 de Março, exatamente no Dia da Mulher.
— Para que o desfile das escolas de samba seja com feminicídio zero, para que a gente possa chegar com a mensagem ao máximo de pessoas (…), a proposta é [atuar] já nos ensaios, fazendo o debate com a própria comunidade. Por que qual a proposta para chegar no meio cultural? Nós precisamos fazer com que nossos autores de músicas, os nossos autores de poesia, as nossas autoras pensem em outros temas, em músicas que não vitimizem mais as mulheres, não trate as mulheres como mero objeto, mas que garantam a elas como sujeito de direito permanente”.
Empresas e entidades
A campanha Feminicídio Zero também está sendo trabalhada, conforme a ministra, em parceria com as empresas e instituições, como a Caixa Econômica Federal, o Sistema S e toda a rede educacional da Fiesp. Também participam empresas privadas como Coca-Cola, Ambev e Latam, bem como as grandes redes de TV aberta.
— Primeiro [o objetivo é] conversar sobre a forma como eles divulgam o trabalho e a questão da violência contra as mulheres, e se a forma revitimiza as mulheres. Ao mesmo tempo pedindo para eles que também trabalhem o aspecto positivo. [Quais as iniciativas que estão acontecendo] — disse Cida Gonçalves, ao se referir ao conteúdo transmitido nas programações das TVs.
A intenção, acrescentou, é aprofundar ainda mais o debate e incentivar o desenvolvimento de iniciativas dentro das instituições, que possam ser capazes de provocar uma mudança de cultura.
— Estabelecer formas em que a empresa tenha solidariedade com as mulheres. Não pode [ocorrer] a mulher faltar três dias, estar toda roxa e ser demitida por justa causa. Qual é a forma de acompanhamento, de acolhimento?
Além disso, há uma frente de trabalho com as centrais sindicais, estimulando o debate sobre a igualdade salarial. Ela informou que 63% dos sindicatos, recentemente, entraram na Justiça reivindicando essa assimetria através da negociação coletiva.
Comunidades e Igrejas
A campanha tem sido trabalhada junto a comunidades indígenas e quilombolas, assim como em instituições religiosas, o que despertou elogios da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) durante a audiência na CDH. Damares reforçou o seu apoio e defendeu que o assunto faça parte de todas as rodas de conversa e encontros, mesmo quando há resistência. A senadora contou que enfrentou esse tipo de resistência, no âmbito da igreja, quando esteve à frente da pasta no governo passado.
— Eu tive resistência com as comunidades religiosas. Especialmente por ser pastora, eu ouvia os pastores dizerem que isso não era assunto de igreja. E é sim assunto de igreja (…), o que a gente sonha mesmo é que essa nação tenha zero feminicídio. É possível conseguir essa meta. Eu quero andar na rua e ter segurança, que ninguém queira me machucar tão somente por ser mulher.
Casa da Mulher Brasileira
Outra frente de atuação está sendo realizada de forma integrada com outros ministérios e órgãos do governo federal. Cida Gonçalves citou como exemplo a pasta da Educação, com o desenvolvimento de ações efetivas como a criação de premiações nas escolas com foco no combate a violência contra a mulher, além do estímulo às pesquisas e estudos sobre o tema nas universidades federais.
A ministra informou ainda que o Ministério das Mulheres desenvolve ações diretas, como a construção da Casa da Mulher Brasileira, para a qual foram destinados R$ 330 milhões desde 2023. Nesse período, três unidades foram inauguradas, seis estão em obra e 17 em negociação de contrato. O objetivo, segundo ela, é chegar ao final de 2026 com 40 casas entregues. Nos próximos meses, acrescentou, a população terá acesso ao painel de monitoramento das unidades para poder acompanhar, de forma transparente, a oferta de todos os serviços e os recursos investidos.
A Casa da Mulher Brasileira é um ponto de apoio que facilita o acesso aos serviços especializados e oferece condições de enfrentamento à violência, com proteção, empoderamento e possibilidade de autonomia financeira.
Atualmente há dez delas em atividade no país: em Campo Grande, Fortaleza, Ceilândia (DF), Curitiba, São Luís, Boa Vista, São Paulo, Salvador, Teresina e Ananindeua (PA).
Além disso, parte da dedicação da pasta foi direcionada à reestruturação do serviço de atendimento do Disque 180, com atendimento, inclusive, via WhatsApp. Fonte: Senado Federal (http://www12.senado.leg.br/noticias/temas/justica/pagina/1)